Estou fazendo as pazes com a Educação

Su Verri
6 min readMar 21, 2023

--

Desbravar caminhos novos nem sempre é fácil, aliás são muitos dias de luta e busca em locais escuros por estradas ainda não construídas em que quase não se pode enxergar. Eu navego pela Educação desde 2006 quando oficialmente entrei na Universidade para fazer o curso de Normal Superior, o único existente em minha cidade. Confesso que eu fui mais para ocupar o meu tempo do que propriamente por interesse na Educação, mas o fato é que eu tinha duas criancinhas em casa e nem eu sabia, mas minha paixão pelo aprender e pelo desenvolvimento humano começa aí…

Na época da faculdade eu tinha medo de crianças, só de pensar em entrar em uma sala de aula com um monte delas já ficava ansiosa. Porque eu acho que desde aquela época eu sabia que para estar com crianças eu precisava ser autêntica, ser verdadeira e eu sabia que não tinha tanta autenticidade na minha forma de viver e me relacionar com as pessoas. Os estágios durante a graduação foram muito importantes para eu compreender a seriedade da “coisa” e sentar nas carteirinhas de criança na mesma posição de “aluna” me fez reviver muitos desconfortos que o ambiente de uma sala de aula pode proporcionar.

Sobre esse lance de se sentir a gente mesma, como é difícil se sentir a gente mesma ao entrar em uma sala de aula. É a mesma sensação de entrar em um hospital, por mais bem arrumadinho que seja, é um lugar em que estamos por obrigação ou necessidade, mas propriamente não gostaríamos de estar ali.

De 2006 até 2016 eu estive na Escola, terminei minha graduação e fiz duas especializações: Psicopedagogia e Educação Ambiental e paralelamente minhas crianças crescendo e se desenvolvendo proporcionavam um laboratório vivo de pesquisa, observação e experimentações.

Em 2015 depois de uma história traumática na direção escolar (um dia eu vou conseguir escrever sobre isto) eu percebi que todo este Sistema de Ensino é uma grande insanidade, pelo que eu passei, pelo que meu filho passou, por tudo que eu vi acontecer nas salas de aula e fora delas e pelo que continuo vendo até hoje, perdi totalmente a fé neste Sistema que eu tanto defendi.

No princípio eu lutei pela Escola Pública, cheguei a tirar meus filhes da Escola Particular por defender e acreditar no Ensino Público, eu sustentei esta crença por dez anos com bastante dedicação e afinco. Mas especificamente em dezembro de 2015, quando passei por uma grande injustiça e vi todo o meu sonho de Escola desmoronar, eu decidi pedir exoneração do meu cargo e tirar meus filhes da Escola.

Vale contextualizar que eu e minha família moramos na zona rural há 28 km da cidade, então não tínhamos outra opção de Escola a não ser a escolinha rural do bairro, que por inúmeras razões se tornou completamente impraticável continuar frequentando, até por uma questão de segurança física e emocional. Dessa forma entramos na aventura de desescolarizar e são 7 anos desde aquela época até aqui de muitas histórias, vivências, descobertas, encontros e desencontros.

Por um tempo nós precisamos nos afastar de tudo e de todos para compreender o que exatamente seria a nossa vida a partir de então, como sustentar isso. Hoje escrevo no ano de 2023 e meus filhes nunca mais voltaram para a Escola, tiveram muitas experiências incríveis, vivências, aprendizados, viagens, pessoas que conheceram e conhecimentos de vida e de mundo que vão muito além do que a escolinha do bairro poderia nos proporcionar. Infelizmente, é uma realidade, as Escolas estão obsoletas e limitadas, ainda mais em lugares ermos como o nosso.

Temos muitos assuntos para discorrer a partir do que eu trouxe neste texto e teremos oportunidades para falar sobre eles ao longo de todo este ano, mas o que eu quero trazer como reflexão para hoje é sobre o termo Educação.

Nessa minha trajetória em desescolarizar tive que lidar com a dor e o luto que eu passei na Escola como profissional e como mãe, tive que lidar com a frustração de enxergar uma realidade que estava muito distante daquela que eu tinha aprendido na faculdade, nas aulas, livros e autores. O fato é que existe um abismo entre Teoria e Prática e no formato escolarizado que temos ele parece intransponível.

Neste meu processo de redescoberta, luto e ressignificação, um dia me deparei com um pensador chamado Jean Pierre Lepri que dizia: “todo ato educativo é por natureza coercitivo” e isso fez todo o sentido diante do que eu estava buscando. Parei de usar os termos Educação, Escola e Ensino. A Escola Convencional, a ensinagem e os métodos pedagógicos se apropriaram de forma deturpada e indevida da Educação.

A verdadeira Educação luta por sua sobrevivência através de pessoas e comunidades que nadam contra a maré para defender as crianças, seu futuro e sobrevivência sana na Terra.

Olhando apenas para a minha questão pessoal este afastamento da Educação foi necessário por muitos anos porque me tornou possível ressignificar o que é aprender, refletir profundamente sobre Educação, me fez compreender com profundidade quais os meus ritmos, refletir sobre o porque eu faço as coisas que faço do jeito que faço, quais as minhas necessidades, como eu aprendo e como se dá a integração entre os modos de aprender e ritmos de quem mora comigo e praticar a autodireção como verbo e como filosofia de vida.

No entanto, na minha caminhada, sempre refletindo sobre a etimologia das palavras e qual o significado que elas têm para as pessoas (muitas vezes o significado atribuído a uma palavra não corresponde à etimologia) cheguei em um determinado ponto em minha vida que resolvi fazer as pazes com o termo Educação.

Eu preciso encontrar pertencimento no mundo, estar com as pessoas certas que estão buscando transformar as coisas e apesar de muitas ressalvas, apesar de muitas vezes eu precisar respirar fundo e tomar fôlego para dialogar com essa galera, eu não posso me ver em outro ambiente que não seja o da Educação. Eu defendo a Educação verdadeira e não é justo que sigam praticando ensinagem, escolarização e que isso siga sendo confundido com Educação, o que será de nossas crianças se não tomarmos uma atitude?

Neste sentido me sinto na responsabilidade de retornar à Educação, depois de um distanciamento necessário para olhar as coisas de maneira mais ampla, para conhecer outras áreas e pessoas, para me recolher e cuidar da minha saúde e das minhas relações familiares. Neste momento eu retorno para a Educação mas me reapropriando de seu significado correto, em defesa das crianças, em defesa da liberdade de toda pessoa humana que nasce na Terra.

O que vemos acontecendo no âmbito que é denominado Educação é um massacre de crianças, uma fábrica de desenvolvimento de traumas e um tipo de prática que é limitadora dos seres e não o que realmente deveria ser a Educação como algo que se faz em prol da evolução da humanidade.

Estou aqui, retomando o meu fôlego e de volta à luta pela verdadeira Educação, pela Educação para o Século XXI sem falsa demagogia, por uma Educação Autodirigida que respeite a liberdade e soberania de todas as pessoas.

E como uma boa aprendiz e pesquisadora autodirigida eu quero convidar você que está lendo este texto a refletir comigo. O que é Educação para você? Como você compreende a Educação? O que é indispensável para você no âmbito da Educação? O que seria a Educação ideal para você? (já parou para pensar nisso?)

Depois que eu colher algumas respostas eu retorno para dialogarmos mais!

Em 2023 vou escrever semanalmente com temas diversificados para ampliar as reflexões sobre Educação a partir da perspectiva da aprendizagem ágil e autodirigida na natureza.

--

--

Su Verri

Mentoria em Educação Autodirigida; Facilitadora Ágil (ALF); Comunidade de Aprendizagem Autodirigida; Desescolarização/Unschooling;Fundadora do ALC Nature