Eu tenho preguiça do dia das mães!! Assim como o Natal, dia da mulher e outras datas, o dia das mães é uma data que estou reconstruindo há alguns anos. Sinto que nesses dias todo mundo fica tentando mostrar um ao outro a vida feliz e bem sucedida que a maioria não tem, a mãe maravilhosa, os filhes perfeitos, que não somos, exponenciado com as redes sociais, é quase como uma exigência pra ser feliz e bem sucedida mesmo que você esteja na fossa, que não tenha mãe, ou que não seja uma boa mãe (porque a gente nunca se sente boa o suficiente com essas exigências sociais). Sem contar com o apelo ao consumo e demonstrações de amor materiais que algumas vezes até são usadas para comparar o valor do presente com o tamanho do amor.
No entanto, desde 2017 eu venho trabalhando com mães e tenho aprendido tantas coisas sobre mim, sobre nós, sobre a vida real que fiquei com vontade de escrever para elas. Sobre o quanto desromantizar a maternidade e reconstruir a minha relação com esta data também tem a ver com elas. Sobre o quanto é importante a gente falar das nossas lutas, de como nos sentimos sobrecarregadas e incompreendidas e sobre o quanto este assunto também tem a ver com a desescolarização.
Essa tal desescolarização da qual eu tanto venho falando, que para algumas pessoas parece até um palavrão, uma blasfêmia, uma ofensa, não é só sobre escola x não escola, na verdade ela é muito mais do que isto. Faz parte de um processo de sempre olhar com outros olhos para o que está por trás das aparências, compreender a profundidade das coisas e principalmente aprimorar a percepção sobre as nossas crenças, padrões, comportamentos e condições sociais e como o tema hoje é o dia das mães, as benditas crenças e construções que são feitas de nós como mães e o quanto é difícil pra caramba ainda hoje encontrar espaços em que podemos falar sobre o lado B dessa maternidade mitológica que pasmem, ela não existe!!!
Preguiça do dia das mães, preguiça do Sagrado Feminino, ando com preguiça das feministas também, preguiça de todos os movimentos que parecem coisa de mulher, parecem bacaninhas, mas estão impondo, comportamentos, falas, visões, mas ainda não conseguem chegar nas profundezas da questão porque ainda estão mais preocupados nessa forma do feminino, fofinho, suave, que cuida, que ama, que se expressa com beleza com arte, com espiritualidade e às vezes até com força como é o caso do feminismo (acho que vou apanhar falando sobre isto) mas que erram na medida da falta de compreensão com as outras pessoas, outras múltiplas realidades diversas.
Minhas amigas que me desculpem, assim como eu não gosto que me coloquem dentro da caixa das generalizações, de maneira alguma estou generalizando os sagrados, os movimentos femininos e feministas, mas às vezes eu me sinto sim numa ditadura sobre o que é certo, sobre como proceder, sobre o que dizer e como me comportar porque sou uma mulher contemporânea e tenho que estar atenta aos movimentos da atualidade (verdade, muito verdade!) mas aí a gente começa de novo a encaixotar os discursos, passar por cima das diferentes realidades e mesmo com um discurso transformador e consciente, somos meio que silenciosamente obrigadas a nos encaixar em mais uma roupa, ou roupas comportamentais que tentam nos vestir. O que eu quero dizer é que tudo que parece uma verdade absoluta e generalizada acaba se tornando opressivo. Cada pessoa tem a sua realidade, sua narrativa e suas vivências e não existe certo ou errado, bom ou ruim, existe a realidade de cada uma e as condições do momento e a necessidade de olhar para as outras pessoas e outras realidades existentes, sem se tornar excludente, arrogante ou ditadora.
Que raiva quando eu penso um texto lindo na minha cabeça e depois eu não consigo escrever!! Juro que na minha cabeça a lógica do texto estava super bem construída e as palavras que ficaram cantando nos meus pensamentos estavam super bem encadeadas, mas a questão é que o dia das mães também poderia se transformar mais num dia de luta do que por essa baboseira comercial e demonstração vazia de afeto. Podíamos ter mais espaços para falar do lado B da moeda, poderíamos pensar verdadeiramente sobre as desigualdades sociais, sobre as diferenças de gênero, sobre as crianças sem mães, sobre as mães das travestis, sobre as mães LGBTs, sobre as mães que não tem mais mães, sobre coisas reais da vida real.
Espero que não me entendam mal, eu sou muito feliz sendo mãe, ser mãe é uma das coisas mais maravilhosas da minha vida, eu realmente sinto que nasci para ser mãe. Minha mãe é uma pessoa maravilhosa, me ensinou muito sobre a vida, mas ela está bem longe de ser a mãe perfeita e também não vim aqui hoje para falar sobre ela.
Fui mãe aos 18 anos e com 22 já era mãe de dois, foi tudo muito lindo e maravilhoso, mas foi tão intenso e passou tão rápido que somente agora que estou trabalhando com mães e ouvindo as histórias delas e vendo mães falando sobre suas dores e desafios é que fui percebendo o quanto eu mesma vivia sofrendo sob estas crenças. Sofri violência obstétrica no primeiro parto (sem nem saber…), não consegui amamentar o quanto eu gostaria (por falta de apoio emocional), não tive chá de bênção, não tive doula, não tive tantas coisas… E na verdade eu só fui me dar conta disto agora que meus filhes cresceram, porque enquanto eu estava lá, carregando toda a responsabilidade pelas coisas que não deram certo nas minhas costas, cuidando de duas crianças me sentindo sozinha mesmo rodeada de pessoas, eu realmente acreditava que a responsabilidade era só minha. O mais louco de tudo isso é que eu não estava sozinha, tenho marido, tinha amigas, família e pessoas próximas, mas por conta dessas crenças e o tal mito da mãe perfeita, nenhuma pessoa que estava à minha volta pôde me ajudar.
A verdade é que eu comecei a trabalhar com mães para reviver e curar as dores do meu puerpério que só estão sendo curadas agora, fui trabalhar com mães e oferecer à elas o que eu não tive. Uma escuta atenta, um espaço para falar sobre o lado B, um espaço pra gente se ouvir e se acolher e para eu falar também, quanta coisa estava entalada aqui querendo sair para além das palavras legais que cantaram na minha cabeça durante todo o dia de hoje. Nem sei mais se o trabalho é meu ou se o trabalho é delas, porque eu realmente só estou conseguindo me curar depois que eu saí desses paradoxos padrãozinho, para olhar amplamente para tudo isto que se chama maternidade e que é uma parada bem intensa e profunda.
Gostaria de deixar bem explícito aqui para as pessoas da minha família e da minha rede que não se choquem quando eu digo que não tive escuta e nem o apoio que eu precisava, não é culpa de vocês, não me sinto magoada (não me sinto mais, mas já me senti) a culpa é do sistema de crenças que a gente vive, a culpa é desse viver inconsciente e acelerado que nos cobra as aparências, que não nos permite vivenciar as dores e nem falar sobre os nossos problemas. Daí de novo eu quero entrar aqui com a desescolarização porque só fazendo as perguntas que ninguém quer fazer para nós mesmas e buscando corajosamente a resposta para elas é que a gente vai desaprendendo coisas que todo mundo sempre faz porque sempre fez e vai construindo novas narrativas sobre nós, sobre as nossas vidas e assim também vamos nos apoiando umas às outras a construirmos quantas e quais narrativas fizerem sentido para nós, para nossa família, para nossos filhes.
E ainda assim eu estou de boa com o dia das mães, sei que para minha mãe e para tantas outras é importante ganhar parabéns, ser valorizada neste dia e eu também faço este tipo de coisas pois consigo entender a necessidade de valorização e reconhecimento das que me rodeiam, fui comemorar o dia das mães com a minha mãe, depois de vários anos sem passarmos essa data juntas, por razões da vida este ano estive longe das minhas crias e fiquei perto da mamãe.
Na verdade mesmo, eu acho que cada uma pode fazer o que quiser neste dia, pode sair e comemorar, pode não fazer nada, pode até tirar um dia pra ficar sozinha (já pensou? dia das mães para a mãe tirar um dia de descanso, tipo dia do trabalho) mas lembra que tem gente sofrendo com uma mãezinha doente e que tem muita criança carente neste mundo e tem muita mãe tóxica também. O que eu acho é que a gente precisa parar de ficar esfregando na cara das pessoas realidades perfeitas, famílias perfeitas e principalmente parar com esse consumismo tóxico e tá tudo certo se você está feliz e considera a sua família perfeita (mesmo imperfeita) mas que tal falar mais sobre este lado B que não aparece neste dia?
E como somos paradoxais, imperfeitas, complexas e múltiplas dá pra fazer tudo isso e ainda ganhar e dar presentinhos, amar orgulhosamente os nossos filhes e expor a lindeza que são e terminar o texto dizendo Feliz Dia das Mães para todas, principalmente para as mães autodirigidas, minhas queridas que estão me reerguendo das profundezas das minhas entranhas, que estão me fazendo entender o tamanho da profundidade deste lance que é ser mãe e que além de mãe eu sou muitas outras coisas.
Dá pra ser feliz e ao mesmo tempo sentir raiva, compaixão, inconformismo, revolta, alegria, tristeza, saudade e fazer o dia das mães menos fake e mais dia das mães tipo nós sendo a gente todos os outros dias do ano.